Tuesday, 28 November 2006
Sunday, 26 November 2006
Les Quatre Anglaises et le Continent
E para o caso não é puramente inocente a invocação trufaldiana. É dele a célebre boutade de que cinema e inglês são dois termos incompatíveis: o cinema britânico sempre se caracterizou pela grandeza dos seus actores e pela pequenez dos seus filmes, curioso num país conhecido pela sua tradição teatral, mas cujo peso esmagador pode estar na origem da dificuldade do cinema em ganhar asas. Rios de tinta têm sido gastos em procurar possíveis explicações para o facto e uma delas, não pequena, será a força centrípta do cinema americano, que tem sistematicamente drenado os talentos que surgem nas ilhas, impedindo assim a continuidade da qualidade média de uma produção privada dos seus melhores artistas.
O viveiro de talentos que é o teatro britânico produz actores a cuja grandeza o cinema quase nunca tem sabido fazer o devido jus. Desafio quem quer que seja a apontar uma mão cheia de filmes ingleses de John Gielgud, Laurence Olivier ou Michael Redgrave que valha a pena voltar a ver sem ser pelas suas interpretações. Isto só para falar dos maiores, mais célebres e de carreira mais duradoura.
No início dos anos 60, a nouvelle vague francesa que limpou o pó do cinema clássico alastrou-se e renovou as cinematografias nacionais um pouco por toda a Europa e Mundo. O cinema inglês teve também a sua new wave, em que novos realizadores (vindos frequentemente do documentário, como Tony Richardson, John Schlesinger ou Lindsay Anderson), novos escritores ou dramaturgos convertidos em screenwriters (Alan Sillitoe, David Storey, Harold Pinter) e um punhado de novos actores (Albert Finney, Tom Courtenay, Richard Harris) procuraram abanar um cinema cristalizado nas adaptações teatrais, nas comédias tontas e na exploração estéril do classy british touch, trazendo-o do salão para a cozinha, aproximando-o das pessoas normais e dos temas quotidianos. A classe operária e a emergente swinging London entravam em cena. O cinema inglês parecia finalmente ter encontrado o seu lugar. O êxito do free cinema foi enorme (choveram óscares, prémios em Cannes) mas, ao contrário da nouvelle vague francesa, foi estéril e breve (no final da década pouco restava daquela lufada de ar fresco, que fôra mais aparente do que real – a verdade é que são poucos os filmes dessa época que sobreviveram bem, e grande parte dos realizadores foi absorvida pela máquina americana sem grande história ou desapareceu sem deixar rasto).
Ficaram os actores e as actrizes, enormes alguns, uma vez mais movendo-se com dificuldade em filmes que se comportam frequentemente como coletes de forças para os seus talentos. E é aqui que entram as minhas quatre anglaises. Que ficaram na minha memória muitas vezes apesar dos filmes que fizeram.
A primeira a entrar no meu panteão pessoal foi a última das quatro a chegar à celebridade internacional (sim, porque as minhas quatro magníficas inglesas são ou foram, para além de enormes actrizes, das mais célebres do mundo, que em conjunto somam 6 óscares, 19 nomeações, 2 prémios em Cannes e 2 em San Sebastian), onde reinou sem contestação durante algum tempo (primeira metade dos anos 70) como a maior actriz de língua inglesa, tendo-se depois progressivamente eclipsado, acabando por abandonar o cinema nos anos 80 para se dedicar exclusivamente à política: falo de Glenda Jackson. Já célebre no teatro quando chega ao cinema (pela mão de Peter Brook em 1967), esta filha de operários com uma total falta de glamour (na linha das actrizes lançadas uns anos antes pelo free cinema como Rachel Roberts ou Rita Tushimgham) triunfa internacionalmente em 1969 com Women in Love, adaptação relativamente fiel do romance de D.H. Lawrence por Ken Russell. Se o filme deu brado na época pela crueza dos sentimentos retratados e pelas cenas de nu masculino, hoje dificilmente sobrevive e Ken Russell confirmaria a seguir que é um dos piores realizadores do mundo. Mas Jackson continuou nos filmes seguintes a explorar a vulgaridade do seu físico, a voz quente e relativamente grave e um underplaying a roçar a invisibilidade. Faz para a televisão a Elisabeth I definitiva, com quem ainda hoje se medem as actrizes que ousam voltar a interpretar esse papel, repete o papel no cinema, em Mary, Queen of Scots, num ombro a ombro falhado com Vanessa Redgrave (já na época me esforcei imenso por gostar desse filme, que reunia as minhas actrizes favoritas, sem nenhum sucesso, dada a sua mediocridade) e é muito boa em Sunday, Bloody Sunday (John Schlesinger, 1971), de novo um filme ousado e “adulto”, em que partilha o amante Murray Head com o médico Peter Finch, mas que hoje, atenuado o escândalo do tema, se vê mais como uma curiosidade. Tem imenso êxito no registo de comédia no insípido e mediocríssimo A Touch of Class (segundo óscar), mas progressivamente a escolha de filmes e de realizadores fazem-na cair no esquecimento. O que eu gostava dela, daqueles olhos que se fechavam quando sorria tristemente, daquela boca entreaberta tão expressiva, daquele andar rígido, deselegante e tão normal! De cada vez que havia um novo filme da Glenda Jackson lá estava eu caído, preparado para gostar muito, e sempre, sempre desapontado. Mesmo quando trabalhou com bons realizadores (Losey, Altman), foi em filmes menoríssimos desses autores. A sua carreira, relativamente breve, foi um caso quase limite de misterioso desperdício de talento. Porque diabo nunca fez nenhum filme que não valha a pena ser visto sem ser por ela?
A proximidade do tipo físico e da idade tornaram as carreiras de Vanessa Redgrave e de Maggie Smith quase intercambiáveis. As actrizes, aliás, tanto no teatro como no cinema, beneficiaram frequentemente de desistências mútuas para obterem papéis. Foi assim, por exemplo, que Maggie Smith, após uma carreira teatral que havia começado pela mão de Laurence Olivier no final dos anos 50, e alguns filmes onde é notável (The Honey Pot de Joseph L. Mankiewicz, 1967) mas onde pouca gente a viu, conseguiu o triunfo (óscar e tudo) na passagem para o cinema da peça (adaptada do romance de Muriel Spark) The Prime of Miss Jean Brodie (Ronald Neame, 1969), recusada por Vanessa (a viver o seu romance com Franco Nero) que a havia interpretado nos palcos. Igualmente esquálida e alta, mas menos bonita do que Vanessa, Maggie Smith adaptava-se não só aos papéis de solteirona frustrada ou dissoluta, como se viria a revelar igualmente à vontade em papéis cómicos (os pequenos de hoje divertem-se muito com ela no Harry Potter). Os americanos perceberam bem e foi divertidíssima no último grande Cukor (Travels with My Aunt, 1972). Apesar de ter trabalhado com Ivory (A Room with a View, 1985) ou com o Altman inglês (Gosford Park, 2001), é outro belo exemplo da pequenez do cinema britânico, que não sabe o que fazer com os grandes talentos.
Julie Christie é a última do quarteto e é um caso à parte. Lançada directamente pela vaga do free cinema (Billy Liar de John Schlesinger, 1963), foi a primeira a atingir o estrelato mundial (óscar em 1965 e Doctor Zhivago a ajudarem); nada ligada ao teatro, onde parece sentir-se desconfortável, tem tido uma carreira cinematográfica errática, com momentos muito altos, muitos ausentes (ocupada com Warren Beatty ou com a defesa dos animais), e alguns baixos; linda de morrer, dela diz Al Pacino que é the most poetic of all actresses. Foi a última das minhas quatre anglaises, chegou já laureada, mas curiosamente a sua reputação decorria mais do azul dos olhos e do sexy queixo protuberante do que das qualidades de representação. Foi assim que a vi em The Go-Between (Joseph Losey, 1971) onde não resistia à visão do corpo nu de Alan Bates, a rebentar de sensualidade por entre o apertado do corpete. Apesar de ter começado a sua carreira simbolizando a inglesa moderna, durante algum tempo quiseram pô-la a representar clássicos e, mais tarde, comédias, registos para os quais não estava visivelmente vocacionada. Três papéis, porém (que descobri ao longo dos anos, cronologicamente desordenados), revelaram-me quão grande actriz é, das minhas quatre anglaises talvez a mais puramente cinematográfica, a mais bela, a mais comovente, a mais poética: McCabe and Mrs. Miller (Robert Altman, 1971), em que dá uma inesperada dignidade a uma prostituta opiómana lutando para sobreviver numa cidadezinha do Oeste; Afterglow (Alan Rudolph, 1997), representando uma actriz de filmes B retirada, a quem um romance com um tipo mais novo vem iluminar de novo um sorriso há muito extinto; e, descoberta minha recente, Petulia (Richard Lester, 1968), um dos grandes filmes dos anos 60, em que faz um retrato comovente de uma mulher em luta para transcender a sua própria frivolidade. E quem a viu em Tétis, a mãe de Aquiles, numa breve aparição no recente Troy, sabe que Al Pacino e eu temos razão.
Saturday, 25 November 2006
Friday, 17 November 2006
Please, Sir, I want some more...
Xiao cheng zhi chun (2002)
Comparando ambas as versões, J. Hoberman (crítico do Village Voice), indo contra a corrente estabelecida que desvaloriza Springtime in a Small Town (2002) relativamente ao original, refere muito justamente que a versão de 48 é mais estranha, sombria, rígida, claustrofóbica e menos subtil do que o remake, que, de forma muito interessante, oferece a refracção de um drama contemporâneo rígido através do prisma de uma dupla nostalgia (o contemporâneo hoje → o contemporâneo da acção → o passado dos protagonistas). A atmosfera do primeiro filme estaria mais próxima de Strindberg, enquanto a do segundo evocaria Tchekhov.
Nasceu em Beijing em 1954. Tanto o pai, Tian Fang, como a mãe, Yu Lan, foram actores célebres do cinema chinês. Com 14 anos, corria já a "Revolução Cultural", Tian foi mandado "aprender com o povo", indo trabalhar para o campo na Província de Jilin (anteriormente parte da Manchúria). Em vez de aí passar o resto da vida, alistou-se no exército, estudando depois no departamento de fotografia da "unidade do filme agrícola", onde trabalhou numa série de filmes educativos e documentários.
Em 1978, obteve um lugar no departamento de realização da Academia do Filme de Beijing, a escola de cinema da China. Durante o curso, co-realizou o vídeo Women de jiao luo (Our Song), internacionalmente considerado como o sinal inicial do novo espírito do cinema chinês. Acabou o curso em 1982 – membro do grupo posteriormente conhecido por "quinta geração" – por serem a quinta "fornada" a concluir o curso no departamento de realização. O grupo incluía igualmente Chen Kaige (Yellow Earth), Wu Ziniu e Hu Mei. Embora dependente dos Estúdios de Beijing, Tian trabalhou por toda a China como freelance. Fez um filme para a TV, depois co-realizou outro para crianças, com dois colegas da "quinta geração". O seu primeiro filme a solo foi o melodrama Jiuyue (In September), feito para os Estúdios de Kunming. O segundo foi Lie chang zha sha (On the Hunting Ground, 1984), uma "ficção documental" feita para os Estúdios da Mongólia Interior. Dao ma zei (The Horse Thief, 1986) é o seu terceiro filme. Com o filme seguinte, Gushu Yiren (The Street Players, 1987) começaram os seus problemas com a censura, que viriam a culminar alguns anos depois, em 1993, com a controvérsia causada pelo filme Lan feng zheng (The Blue Kite), que foi interdito e valeu ao realizador uma proibição de trabalhar por três anos. Só em 2002 regressou ao cinema, em grande forma, assinando Springtime in a Small Town. Quatro anos depois está de volta, tendo apresentado The Go Master no festival de NY e no novel festival de Roma, com excelentes críticas.
Xiao cheng zhi chun (1948)
Quando Zhang Zhichen (Li Wei), amigo de infância de Liyan, agora médico, chega de Shanghai, trazendo consigo uma lufada de cosmopolitismo e um escape para antigas paixões e ressentimentos reprimidos, ficamos a saber que Yuwen havia sido sua namorada dez anos antes. A tensão torna-se cada vez mais evidente à medida que cada personagem se vê obrigada a ocultar a sua verdadeira natureza e os sentimentos são expressos unicamente através de olhares, gestos e silêncios. A chegada de Zhichen vem trazer uma chama de vida à atmosfera moribunda da casa e, pouco depois, a atmosfera torna-se mais ligeira, com passeios, canções e jogos. A relação entre Yuwen e Zhichen reacende-se pouco a pouco, tornando‑se aparente na festa de aniversário de Xiu, em que ambos bebem mais do que a conta. Após uma discussão com Zhichen, Yuwen corta-se com um vidro e a partir daí os acontecimentos precipitam-se, acabando por afectar a vida de todas as personagens.
Ao descrever os acontecimentos do ponto de vista de Yuwen e adicionando uma voz off poética, o filme aproxima-nos das personagens. A sensação de frustração e irritação é palpável, sublinhada pela brilhante ideia de Fei de utilizar fusões encadeando as cenas, mas a contra-corrente do desejo que renasce imprime uma grande sensualidade ao filme.
Esta obra única (frequentemente citada entre os melhores filmes chineses de sempre, mas raramente vista hoje – eu tive o privilégio de a ver no ciclo de cinema chinês organizado pela Cinemateca Portuguesa em 1987) reflecte e disseca a sensação de impotência que se apropriou de muitos chineses nos anos imediatamente a seguir à guerra.
Os comentadores comunistas criticaram a timidez ideológica de Fei, bem como o efeito narcótico do filme, não percebendo a dolorosa ironia do título nem como este filme capta de forma tão perfeita o momento em que foi feito.
Fei Mu (1906-1951)
Estreia-se como crítico de cinema (co-edita, como o seu amigo Zhu Shilin, a revista "Hollywood"). Começa a partir de 1933 uma carreira de realizador com Cheng shi zhi ye (City's Night), cuja vedeta é a bela Ruan Lingyu, que interpreta também o seu filme seguinte, Ren sheng (Life, 1934). Realiza em seguida Xiang xue hai (Sea of Perfumed Snow, 1934), de que assina também o argumento e Tianlun (Filial Piety, 1935), em colaboração com Luo Minyou. Em 1936, pouco antes da declaração de guerra, realiza um filme que ataca indirectamente os japoneses: Lang shan die xie ji (Blood in the Wolf Hill). Em 1937, realiza Zhan jing tang (Murder in the Oratory), uma ópera interpretada pelo célebre Zhou Xinfang, e Qian tai he hou tai (On Stage and Backstage), uma curta-metragem sobre a vida dos actores de ópera, que roda em simultâneo com o filme anterior e depois, ainda no mesmo ano, Du jin de cheng (Golden City) e Bei zhan chang jing zhong lu (Martyrs on the Northern Front), uma mescla de actualidades e ficção. Durante o período da "ilha órfã" (período da guerra sino-japonesa de 37 a 41, antes da ocupação total de Shanghai), escreve e realiza ainda quatro filmes: Kong Fuzi (Confucius, 1940), Shi jie er nu (Children of the World), em colaboração com os exilados alemães Jakob e Louise Fleck, Gu zhong guo zhi ge (The Song of Ancient China, 1941), uma selecção de oito extractos de óperas e, por fim, Hong xuan jiao (1941).
Quando os japoneses assumem o controlo dos estúdios de Shanghai em 1942, recusa colaborar. Em 1948 realiza o primeiro filme chinês a cores, Sheng si hen (Happiness Neither in Life Nor in Death), ópera de Beijing interpretada pelo grande actor Mei Lanfang e Xiao cheng zhi chun (Spring in a Small Town), a sua obra-prima. Em 1950 começa a rodar, em Hong Kong, Jiang hu er nu (Sons of the Earth, 1951), mas morre em Janeiro de 1951, sendo o filme terminado por Zhu Shilin.
Tuesday, 14 November 2006
Monday, 13 November 2006
El hombre que sabía demasiado
No princípio era...
Começar é que custa, já se sabe.
Escolher um título (em jeito juvenil - querido blog - ou dando-se ares - ars poetica?), seleccionar uma foto (do meu filme favorito? - ainda é cedo, do actor mais belo? - embaraço da escolha), escrever algo inteligível (umas linhas programáticas?, uma carta a mim próprio lançada ao mundo?) (e em que língua, when you live in the European limbo et on veut être entendu par le plus grand nombre?), tudo é mais difícil do que previsto.
Falar para as paredes mas desta vez com a sensação (e a secreta esperança) de que elas poderão não se limitar ao eco habitual tem algo de semelhante a uma entrega voluntária a um estupro secretamente desejado.
Mas, olha, está a andar! E já custa menos, e as paredes continuam a ecoar, que afinal o blog ainda é secreto.