Friday 24 October 2008

11º Mandamento: Não deixarás de ver este filme

Eu sei que ainda não estamos na quadra natalícia para já estar a recomendar um filme destes, mas acontece que os azares de uma gripe prematura me permitiram dedicar mais de 4 horas a rever este blockbuster dos anos cinquenta (o filme que fechou a carreira do cineasta "bíblico" por excelência, Cecil B. DeMille) e posso garantir-vos, sem ironia, que ainda hoje sobrevive muito bem e aguenta sem desprimor qualquer comparação com a maior parte dos blockbusters descerebrados de hoje.

Este é um blockbuster da época em que os blockbusters se chamavam superproduções, mas que já na época se distinguia das outras superproduções bíblicas porque por trás da mensagem religiosa (e sincera) havia uma mensagem política clara: a oposição entre uma sociedade ditatorial e esclavagista (Egipto) e um povo que procura a liberdade dentro da ordem de uma verdadeira fé (Hebreus).

A oposição é irresistivelmente acentuada pelos actores escolhidos para interpretarem os papéis de Ramsés (o herói negativo) e Moisés (o herói positivo) : um Yul Brynner de feições orientalizantes


e um Charlton Heston "all-american hero". Eram os anos 50, anos de guerra fria, e os egípcios eram os soviéticos e os hebreus o "mundo livre", liderado por uma América libertadora... Directo, simples e eficaz...


Claro que há um "love interest" que apimenta a história (supostamente inspirada nas escrituras, mas com uma série de personagens inventadas, como esta tal Nefertiri, cujo amor funesto por Moisés a leva a exigir a sua morte ao faraó com quem acabou por casar).

Devo confessar que toda esta história "egípcia", da luta pelo poder e influência entre Ramsés e Moisés junto do faraó-pai, e da rivalidade dos mesmos pelo coração (e não só) de Nefertiri é o mais interessante do filme (e o realizador tem a habilidade de a estender por quase dois terços do longo filme).

Tudo é magnificamente irresistível: as cores , quase sempre primárias (de Lloyal Griggs, um dos grandes mestres da cor do cinema americano), a música, menos pomposa do que se poderia esperar (de Elmer Bernstein), a cenografia, deliberadamente artificiosa e teatral (uma equipa com o grande Hal Pereira à cabeça). Repare-se como tudo funciona neste "tableau": o sentido visual de DeMille é absolutamente notável, e a eficácia do que nos diz a imagem não encontra paralelo nas superproduções dos dias de hoje - trata-se do momento em que o primogénito do faraó acaba de morrer na sequência da última praga lançada sobre o Egipto; o sentimento de impotência é grande, a rainha, de vermelho (a tentadora que vai exigir vingança não pela morte do filho, mas por se sentir despeitada) jaz por terra, e o gesto de poder do faraó é menos ameaçador do que resignado - acaba de se aperceber que o deus dos hebreus é mais poderoso do que os deuses do Egipto (está bem de ver que este equilíbrio entre a narração e a sua encenação nem sempre é mantido ao longo do filme).

Curiosamente para uma superprodução deste nível - um dos filmes mais caros da história - que utiliza o "state-of-the-art" dos efeitos especiais da época, estes nunca surgem desnecessariamente para espantar o espectador, com valor de espectáculo puro, mas são sempre justificados pela narrativa e são mesmo utilizados esparsamente. Por exemplo, as pragas do Egipto não são todas mostradas, quando teria sido fácil encher-nos o olho com a invasão dos ratos ou dos insectos. Apenas as necessárias para fazer progredir a história. Claro que num filme intitulado "Os Dez Mandamentos", não se poderia evitar o momento da comunicação dos ditos. E ele lá está, através do fogo divino:

A nível de inspiração iconográfica, DeMille recorreu à obra de Arnold Friberg, um pintor em voga na altura, cujos quadros chegaram a ser apelidados de DeMillianos apesar de, sobretudo no que se refere às cenas bíblicas, serem anteriores ao filme.

Mesmo a travessia do Mar Vermelho (uma das cenas mais espectaculares e pelas quais o filme é recordado) ecoa um quadro de Friberg.

Ingénuo, desmedido, kitsch, pomposo - o que se quiser. Não há gladiador nem senhor dos anéis que lhe chegue aos pés. Deixem passar mais 50 anos e depois venham falar comigo.

Wednesday 15 October 2008

Não a conhecem, tenho a certeza



Mas um dia destes falo-vos dela, fica prometido. Para já, fica este aperitivo. E a garantia de que ela é muito, muito mais do que isto. Chama-se Renata Litvinova