Wednesday 20 December 2006

Watch this guy...

perhaps the most mentally agile of young American actors The Village Voice

a dynamite performance in a unique, and uniquely troubling, role Variety

a mesmerizing performance, casual yet dominating, and one that shows the kind of deep understanding of character few actors manage Los Angeles Times

a major talent and one of the finest young actors around Hollywood Reporter

(an actor) who has his own slight addiction to the half-started, glance-away, half-smile, then-deliver-the-line style of acting Chicago Tribune

The low-key acting, rooted in naturalism, is reminiscent of Marlon Brando San Francisco Chronicle

Chama-se Ryan Gosling, 26 anos, origem canadiana, uns anos de tirocínio na televisão, um primeiro papel de relevo em 2001 (The Believer de Henry Bean, sobre um jovem judeu anti-semita que se tornou membro proeminente do Partido Nazi Americano), algumas hesitações, embora com escolhas judiciosas a denotar exigência (prosseguir na via do cinema estimulante e dos papéis complexos - o muito "lynchiano" Stay de Marc Forster, filme onde o descobri, ao lado de Ewan McGregor e Naomi Watts - ou ceder à tentação do papel de "jeune premier" - The Notebook de Nick Cassavetes, partilhando o cartaz com Gena Rowlands), até à explosão recente de Half Nelson, de Ryan Fleck, filme que o melhor crítico americano da actualidade, Jonathan Rosenbaum, qualifica de a triumph of affectionate and even passionate portraiture, sobre um professor de história do secundário, politicamente empenhado, dedicado ao trabalho e também viciado em crack, uma estudante de 13 anos que descobre o seu segredo e que estabelece uma ligação emocional com ele e um dealer local que se sente responsável pela protecção da jovem. Their story is unpredictable, beautifully acted, and revelatory in its moral quandaries. Gosling's character is the most believable protagonist in any American movie I've seen this year--an immature mess, but charismatic, multifaceted, and sincere, the sort we can't really dismiss without dismissing some part of ourselves, Rosenbaum dixit.

Tuesday 19 December 2006

Afinal sempre há filme de Natal

Do céu caiu uma estrela que nos trouxe música ao coração. Não é costume que um filme de Natal seja um filme de monstros, um filme de guerra, nem, verdade seja dita, um filme muito bom. El laberinto del fauno é tudo isso, e muito mais. É também um filme de fadas, um filme inteligente, maravilhoso, em suma. Acabei de o ver e, speechless, não me ocorre nada melhor do que transcrever estas linhas do Time Out:


To label Guillermo del Toro’s sublime new gothic fantasy 'Pan’s Labyrinth' ‘brutal’ and ‘bloody’ is surely prevaricating on behalf of a more hardcore horror audience at the expense of the plentiful nuance and honest-to-goodness drama of this lush fable. Of course, the picture does also unsheath a series of sucker-punch moments unlike anything seen in fantasy film for a good long while.
A simply told yet staggeringly layered tale of young Ofelia’s journey into the dark heart of the Spanish civil war under the auspices of one hell of a wicked stepfather, it’s not just the distressingly capricious landscape into which she retreats to find her true self which affects so deeply. There are more than a few utterly astonishing moments of the ‘beautiful, grotesque’ in both worlds, all as metaphorically apposite as anything else in the picture. But like the best filmmakers in the business, del Toro accomplishes his most effective non-fantasy sequences with little more than judicious cuts and sound. And how accomplished it is. This is simply the zenith of modern filmmaking by an artist at the very peak of his abilities. 'Pan's Labyrinth' is a small, contained and intimate ‘epic’, a brilliant companion piece to 'The Devil's Backbone' (and more importantly to 'Cronos') in its melding of horrors of the mind vs. horrors of real life and the place of myth and legend. With its awards-worthy cast, it's the exquisitely emotive fairy tale Shyamalan wishes he could make. One of the films of the decade.

Sunday 17 December 2006

Já abriu a época de caça...

Aceitam-se, portanto, palpites sobre quais os filmes que não vão ganhar o óscar

A fé perdida de Michaela Klingler

Desde há uns anos que se começa de novo a falar do cinema alemão. Se há renascimento (ainda estamos para ver), é menos estrondoso do que o que conheceu nos anos 60/70, e ainda não há nomes que se equiparem a Fassbinder, Herzog ou Wenders. Alguns êxitos mundiais (Goodbye Lenin) ou polémicas ruidosas (Der Untergang/A Queda) não chegam para definir uma tendência, mas, pouco a pouco, chegam-nos sinais de que há algo de novo que fala alemão. Não são obras-primas, não têm sucesso garantido (apesar de alguns prémios em Berlim, mas isso é jogar em casa), não formam nenhuma corrente, dada a sua diversidade formal e temática, mas mexem. Unterwegs de Jan Krüger, que passou quase despercebido em 2004, era um primeiro filme muito promissor. Em jeito de road movie, contava a história de um jovem estranho e perturbante que se insinua no seio de um casal e que os leva a embarcar em aventuras pouco claras e algo ameaçadoras. De feitura mais clássica, Sophie Scholl - Die letzten Tage de Marc Rothemund superava com êxito a aposta de contar os últimos dias (prisão, processo e execução) da vida da jovem opositora ao regime nazi, concentrando a trama no fascínio que se exercem mutuamente Sophie e o principal investigador do processo.

Requiem constitui o último sinal que me chega desta tranquila movida alemã. O realizador, Hans-Christian Schmid, já tinha dado que falar com o seu filme anterior, Lichter (que não vi). Em Requiem, conta a história (baseada em factos reais) de Michaela Klingler, uma jovem estudante de 21 anos, oriunda de uma família profundamente católica e que sofre de perturbações que podem ser epilepsia, esquizofrenia, ou mesmo possessão (o filme, apesar do tratamento realista, atento aos detalhes quotidianos, evitando reviravoltas dramáticas e nunca embelezando a crueza das imagens nem recorrendo a efeitos especiais, deixa as várias soluções em aberto). Apesar da saúde frágil, deixa a casa familiar (e a tensa relação com a mãe) para prosseguir os estudos na universidade, onde reata uma amizade de infância e arranja um namorado. A doença volta a manifestar-se e os delicados alicerces da sua nova vida vacilam. Psicologicamente abalada, apesar de se colocar sob a protecção de Santa Catarina, Michaela julga-se possuída por demónios, recusa o tratamento médico, submete-se a várias tentativas de exorcismo e acaba por sucumbir por exaustão e falta de cuidados. Um mérito, e não pequeno, do filme é abordar um tema como o do exorcismo pelo prisma do realismo (não podia estar mais longe do género do terror de outros exemplos conhecidos de casos de possessão como O Exorcista), dada a opção do autor por nunca abandonar a personagem, que está presente em todas as cenas, embora a filme de um ponto de vista exterior, supostamente "objectivo" (o que quer dizer que a vemos nas suas crises mas a câmara mantém uma certa distância pudica, a vemos a ter visões mas não vemos as suas visões nem ouvimos as vozes que ouve), descritivo, quase clínico.
Não sendo uma obra-prima, o filme é forte e comovente, no retrato que faz de uma jovem em busca de si própria, arcando com o peso de uma fé familiar demasiado envolvente, lutando por uma sexualidade desculpabilizada. E não seria o que é sem Sandra Hüller, jovem actriz de teatro no seu primeiro papel para o cinema, numa interpretação fenomenal, contida, mas capaz de recorrer a uma paleta de emoções invulgar. Não possuindo uma educação particularmente religiosa (ao contrário do realizador, que provém de um meio católico conservador), a actriz preparou-se não só tecnicamente (por exemplo, como rezar com um rosário na mão, como simular uma crise de epilepsia), mas também mergulhando em livros sobre a epilepsia e as psicoses e descrições de pessoas que conheceram Anneliese Michel (a personagem real sobre a qual se baseia o filme). E recorrendo à imaginação. E ao talento, que é muito. Entre muitos outros prémios, Sandra Hüller obteve um Urso de Prata no último Festival de Berlim.

Sunday 3 December 2006

Incandescente


Gostaria de ter o talento de escrever assim...

Está nas Lágrimas e Suspiros o plano mais estarrecedor de Liv Ullmann e talvez o mais belo plano da obra de Ingmar Bergman. É quando Maria (nome de Liv nesse filme) revive o seu passado com o médico que foi amante dela (Erland Josephson). Subitamente, sem sabermos se estamos nesse passado ou já no presente, Josephson leva-a diante de um espelho, à luz duma vela e descreve demoradamente as mudanças no rosto de Liv. E a câmara não a larga nem se mexe enquanto Josephson lhe diz que ela está muito bonita, mais bonita ainda do que quando se conheceram. Mas também mudada, muito mudada: “Olhas de lado com desconfiança. Costumavas olhar de frente. A tua boca tem uma expressão de descontentamento e de fome. Tens quatro rugas sobre as sobrancelhas. A linha que te ia do ouvido ao queixo já mal se vê. O teu nariz já não é tão arrebitado. E o teu sorriso mudou. Sorris, agora, com desdém, com tédio e impaciência”.
Josephson diz tudo isto (e como cito de cor, e não sei sueco, omito com certeza várias coisas) muito devagar, com voz neutra e implacável, em off. No plano está só Liv Ullmann, o rosto de Liv Ullmann, nada mais do que ele. Não protesta, não responde, não fala. Deixa-se ficar a ouvir essa voz, a receber essa luz, a contemplar essa imagem, inteiramente entregue a essa análise minuciosa, terrível e doce.
Nunca vi na minha vida uma actriz despir-se assim, ficar tão nua perante o olhar da câmara, oferecendo-lhe cada poro da pele, cada linha do rosto. E nunca um grande plano foi figura tão exacta, tão necessária, tão evidente. Diz-se que Griffith inventou o grande plano para Lillian Gish. Depois dele, quantos o usaram com exactas mulheres? Contam-se pelos dedos da mão. Mas, certamente, um deles foi Ingmar Bergman nesse plano fabuloso. E uma das raríssimas actrizes que se deixou inteiramente possuir por ele foi Liv Ullmann, nessa relação física (ou química) com a câmara, totalmente oferecida, totalmente fascinada.

Podemos procurar explicações biográficas. De todas as actrizes de Bergman, Liv foi a que ele mais amou, a mulher com quem viveu 5 anos (exactamente a esse período de tempo se refere o médico), a mãe da sua única filha. Lágrimas e Suspiros foi filmado no ano em que se separaram e se a seguir virmos Persona (o primeiro filme que fizeram juntos) todas as mudanças que Josephson descreve são exactas. Mas deve-se desconfiar do biografismo, sobretudo com Bergman. Quando Torstan Manns (no livro Bergman on Bergman) lhe refere, a propósito do Rosto, que houve quem dissesse que Max Von Sydow o representava a ele, Bergman, que Gunnar Björnstrand representava Harry Schein (director do Svenska Film Institut e marido de Ingrid Thulin) e que Ingrid Thulin representava Ingrid Thulin, Bergman respondeu: “Digo como Flaubert: Madame Bovary, c’est moi”.
Liv Ullmann, a máscara, só pode ser Ingmar Bergman.

Como máscara (Persona) surgiu em 66 no mundo de Bergman, chamada Elisabeth Vogler. Não dizia uma só palavra durante quase todo o filme e durante quase todo o filme a câmara enquadrava-a em grandes planos, ouvindo o incessante monólogo de Bibi Andersson que com ela acabava por se confundir nesse famoso plano vampírico. Quem era? Um actriz. Uma actriz que um dia se calara no palco, no meio de uma frase e nunca mais voltara a falar, quer no hospício, quer na ilha para onde a levava a enfermeira. E todo o filme Elisabeth Vogler era essa máscara, essa persona, do lado de lá do espelho, ou do lado de cá. Hipnotizada e hipnotizante. Socorro-me de David Thompson que tem o dom da síntese que eu não tenho: Ullmann’s poignant face, staring often straight into the camera, carries the burden of the artist who feels unable to participate in life. Her silence rejects all argument: but that face is a self-concious ingredient of art in what is perhaps the most concentrated movie examination of the faces. Ullmann persuades us that acting has left her not a person, but the changing effects of appearance (…) There is no suggestion of her acting in Persona, only the extraordinary indefinite emotion of a photographed face – one of the greatest images in world cinema.
Isso – that face, the extraordinary indefinite emotions of a photographed face – é o cinema. Mas não no sentido da “página branca” do último plano da Garbo na Queen Christina ou no sentido de qualquer efeito de Kulechov. Bergman não lhe pediu o vazio como Mamoulian pediu à Garbo, nem conseguiu essa cara por efeito de montagem. O que aconteceu foi uma total absorção da luz e da sombra, como antes só víramos em Marlene filmada por Sternberg. Com a capital diferença da evidência da actriz. Será por isso que outro dos pontos culminantes da arte dela (deles) se chama Face to Face?

Mas esta mulher falou. E falou de que maneira, na Sonata de Outono, esmagando pela palavra (aquela noite das duas!) a actriz da palavra que foi Ingrid Bergman. Nunca – que me lembre – duas actrizes tão geniais se enfretaram assim e o momento supremo da sua luta de morte (luta de mãe e filha) é expresso no momento em que Liv Ullmann se decide a falar. E uma noite inteira falou por tudo e todos quanto se haviam calado.
E aquele grito (preferem uivo?) que soltou na noite em que Erland Josephson a abandonou nas Cenas da Vida Conjugal, quando descobre que toda a gente – menos ela –sabia que o marido tinha outra mulher? E a sua ânsia de ser tocada, de amor físico, nas Lágrimas e Suspiros, em que precisamente não é capaz de tocar no único corpo que lho pediu, no corpo da irmã morta? E o seu vaguear, na Hora do Lobo? E as noites dela com Max Von Sydow na ilha da Paixão?
Penso em todos esses filmes e o meu amor por esta mulher – a mais bela, a mais absoluta das mulheres de Bergman – não tem dimensão. (...)

Mulher, actriz, cinema – palavras tão simples, mistérios tão grandes: Liv Ullmann.
Mais simples, mais misterioso, é o amor. E só talvez ele explique que a “melhor mulher” só o tenha sido com Bergman. Longe dele – em tantos e tão penosos filmes – todo o mistério desapareceu. Ficou, quando muito, uma bonita imagem. Mais nada, mais nada. Borboleta da noite, viveu em torno de uma única luz. Fora dela, não existiu. Dentro dela, foi – de longe, de longe – a maior dos últimos vinte anos. (...)

Mas não tenho esse talento. Por isso aqui fica o texto, com uma vénia de homenagem. É de João Bénard da Costa e foi publicado em 1987 no catálogo do ciclo de cinema Actor/Actor.