Monday 29 January 2007

Goyescas


Uma cinematografia que pode distribuir os seus galardões anuais por filmes como Volver e El laberinto del fauno revela uma saúde férrea. O filme de Almodóvar recebeu ontem 5 goyas (filme, realização, actriz, actriz secundária e música) e o de Guillermo del Toro 7 (argumento original, fotografia, direcção artística, montagem, som, caracterização e actriz revelação).
A cerimónia foi como habitualmente divertida de tão desajeitada, mas que prazer ver La Cruz y La Maura! Correndo o risco de converter isto numa versão pobre da ¡Hola!, mas para que não fiquem dúvidas sobre o meu amor a esta Espanha, aqui vai a minha singela homenagem às chicas del montón...

Tuesday 23 January 2007

The Curse of the Golden Statuette

O óscar irá finalmente para Martin Scorsese, um dos maiores realizadores contemporâneos, autor de alguns dos melhores filmes americanos dos últimos 30 anos (Taxi Driver, de 1976 - ano em que a melhor realização foi para John G. Avildsen por Rocky -, Raging Bull, de 1980 - ano em que o prémio foi para Robert Redford por Ordinary People -, Goodfellas, de 1990 - melhor realizador: Kevin Costner por Dances with Wolves). Scorsese será premiado por The Departed, um dos seus filmes mais fracos (mas, atenção, um filme fraco de Scorsese é sempre mais interessante do que os melhores filmes de Ron Howard, Rob Marshall ou Paul Haggis), remake de um filme chinês recente bem melhor (Infernal Affairs).

Pela primeira vez na sua história, o óscar de melhor filme do ano será atribuído a um filme falado numa língua estrangeira (ou seja, uma daquelas que nós falamos): Letters from Iwo Jima, realizado por Clint Eastwood em japonês.

Outra oportunidade de tal acontecer (o melhor filme do ano ser, pelo menos parcialmente, não falado em inglês) seria a vitória do filme mais pretencioso, grandiloquente e hipócrita do ano, Babel, mas apesar das suas sete nomeações, o filme global do mexicano Alejandro González Iñárritu sairá de mãos vazias da cerimónia do próximo dia 25 de Fevereiro. Os apresentadores não conseguiriam pronunciar o seu nome.

Caso a Academia decida fazer justiça a contrario a Scorsese, não lhe dando o óscar e permitindo-lhe continuar, juntamente com Alfred Hitchcock, Howard Hawks, Nicholas Ray, Charles Chaplin ou Stanley Kubrick, na prestigiada lista dos realizadores nunca premiados, o grande Clint Eastwood pode vir a juntar-se à restrita lista dos realizadores com mais de dois óscares, que inclui John Ford, Frank Capra e William Wyler. Com a terceira vitória de Eastwood, evitar-se-ia o contra-senso de separar os prémios de melhor filme e de melhor realizador (como se a APE premiasse um romance de Lobo Antunes, mas considerasse o de Saramago o mais bem escrito).

Uma estrangeira vencerá o óscar de melhor actriz. Contra todas as expectativas, não será a grande actriz anglo-russa Helen Mirren, mas sim Penélope Cruz, prodigiosa Raimunda no filme Volver de Pedro Almodóvar. É que apesar de todos sabermos que para arrebatar uma grande interpretação é necessário falar inglês (em 80 anos de óscares, só por duas vezes - Sophia Loren em 1961 e Roberto Begnini em 1998 - ganharam actores falando estrangeiro), tudo indica que este ano a Academia vai contrariar essa tendência.

Apesar da ausência do filme de Almodóvar em mais nomeações à parte a de Cruz, o espanhol será a língua do melhor filme estrangeiro: El laberinto del fauno, o "meu" filme de Natal, realizado por Guillermo del Toro. Este filme, que dará ao México a sua primeira vitória nesta categoria, obterá igualmente óscares pelo argumento original, fotografia, direcção artística, caracterização e banda sonora, tornando-se assim o filme estrangeiro mais premiado da história da Academia de Hollywood.

O México tem, aliás, grandes probabilidades de levar a parte de leão dos óscares deste ano. É que, para além do inenarrável Babel, há que contar ainda com o filme Children of Men de Alfonso Cuarón, autor do divertido Y tu mamá también e de um dos Harry Potters. De produção anglo-americana, este filme será uma alternativa séria ao Laberinto del fauno para o prémio da fotografia (Emmanuel Lubezki é um dos grandes directores de fotografia actuais, principal responsável pela beleza de The New World) e tem de qualquer modo assegurados os prémios do argumento adaptado e da montagem.

Ryan Gosling, um dos mais talentosos e inteligentes actores americanos, converter-se-á no mais jovem vencedor do óscar de melhor actor, pelo filme Half Nelson. A categoria em que concorre é, aliás, a que reúne um dos grupos mais sólidos de grandes talentos (Peter O'Toole, Forest Whitaker, Leonardo DiCaprio), o que só virá a prestigiar o seu prémio.

Rendez-vous, portanto, daqui a um mês, com esta lista na mão.

Tuesday 16 January 2007

Tríptico na morte de Sergei Mikhailovitch Eisenstein


I

Camarada Eisenstein, muito obrigado
Pelos dilemas, e pela montagem
De Canal de Ferghama, irrealizado
E outras afirmações. Tu foste a imagem

Em movimento. Agora, unificado
À tua própria imagem, muito mais
De ti, sobre o futuro projetado
Nos hás de restituir. Boa viagem

Camarada, através dos grandes gelos
Imensuráveis. Nunca vi mais belos
Céus que esses sob que caminhas, só

E infatigável, a despertar o assombro
Dos horizontes com tua câmara ao ombro...
Спасибо, товарищ. Хопошо.


II

Pelas auroras imobilizadas
No instante anterior; pelos gerais
Milagres da matéria; pela paz
Da matéria; pelas transfiguradas

Faces da História; pelo conteúdo
Da História e em nome de seus grandes idos
Pela correspondência dos sentidos
Pela vida a pulsar dentro de tudo

Pelas nuvens errantes; pelos montes
Pelos inatingíveis horizontes
Pelos sons; pelas cores; pela voz

Humana; pelo Velho e pelo Novo
Pelo misterioso amor do povo
Спасибо, товарищ. Хопошо.


III

O cinema é infinito ― não se mede.
Não tem passado nem futuro. Cada
Imagem só existe interligada
À que a antecedeu e à que a sucede.

O cinema é a presciente antevisão
Na sucessão de imagens. O cinema
É o que não se vê, é o que não é
Mas resulta: a indizível dimensão.

Cinema é Odessa, imóvel na manhã
À espera do massacre; é Nevski; é Ivan
O Terrível; és tu, mestre! maior

Entre os maiores, grande destinado...
Muito bem, Eisenstein. Muito obrigado.
Спасибо, товарищ. Хопошо.

poema de Vinícius de Moraes

Monday 15 January 2007

Royalty

King Clint and Queen Helen bow before each other

Saturday 13 January 2007

A Herança da Carne

Foi esse o colorido título português de um dos mais esquecidos e belos filmes de Vincente Minnelli, Home from the Hill. Para além de ter sido casado com Judy Garland e ser pai de Liza, Minnelli foi sobretudo conhecido como realizador de musicais (An American in Paris, The Band Wagon, Gigi), mas ficará para a história do cinema por ter assinado um punhado de excelentes melodramas nos anos 50 e 60 que incluíram The Bad and the Beautiful e Some Came Running. Home from the Hill (agora editado pela primeira vez em DVD em França juntamente com o referido Some Came Running) é um daqueles casos de filmes já na época deliciosamente old fashioned, testemunho do melhor que o sistema de estúdios nos deu, com todo o luxo do know how que a MGM ainda era capaz de reunir em 1960, ao serviço de um drama familiar, com personagens larger than life, em CinemaScope e a cores.

A acção decorre numa pequena cidade do Sul; Robert Mitchum é o proprietário de terras mais rico e o principal predador sexual da região, actividade que reduziu praticamente a letra morta o seu casamento com Eleanor Parker, desde que lhes nasceu um filho (George Hamilton), agora com 17 anos. Mitchum tem outro filho, não reconhecido como tal, George Peppard, fruto de uma ligação anterior. Hamilton inicia um namorico mas, marcado pela relação dos pais, não tem coragem para assumir um compromisso mais sério.

O ritmo do filme, apesar da trama complicada, recheada de acidentes dramáticos, é lento, deixa-nos respirar, permite-nos envolver parcimoniosamente nas motivações das personagens, e um dos principais méritos de Minnelli é mostrar-nos os vários lados, positivos e negativos, de cada uma, tornando-as credíveis mesmo nos twists e exageros melodramáticos da história. E como sabe filmar Minnelli, como sabe compor planos em CinemaScope, como sabe usar as cores primárias para melhor revelar os sentimentos ocultos, que lição permanente os seus elegantes movimentos de câmara, úteis, expressivos, sem a menor gordura nem cedência ao virtuosismo gratuito! A cena da morte de Mitchum é, a esse respeito, um modelo de economia dramática, em que em 3 ou 4 minutos, com uma meia dúzia de planos, o realizador concentra os principais temas do filme, antes de partir para a resolução final.

Uma última palavra para um cast vintage, o grande Mitchum, Parker (conhecida por uma certa geração como a baronesa antipática de Música no Coração), Hamilton e sobretudo Peppard (o vizinho de Audrey Hepburn em Breakfast at Tiffany's): todos credíveis, comoventes, magníficos.

Wednesday 10 January 2007

Anybody got a match?

Que o cigarro faz mal à saúde de quem fuma, parece ser inegável. A senhora da imagem tem a sua saúde visivelmente debilitada devido aos muitos cigarros que fuma alegre e desmioladamente.

Sabe-se também já que não é lá muito bom para a vizinhança. Não é o caso destes senhores, que para além de prejudicarem a sua própria saúde, atentam, inconscientemente, contra a saúde um do outro.

Vai daí que o mundo moderno e civilizado decidiu proibir. Hoje, este rapaz antiquado não poderia fumar tranquilamente à mesa de um bistrô enquanto preparava uma qualquer revolução.

De nada lhe serviria ignorar avisos ou protestar. Seria certamente obrigado a apagar o cigarro ou a abandonar o local, escorraçado, rejeição a que muitos ainda resistem adoptando um ar de desafio.

A resistência e o desafio assumem diversas formas, embora hoje em dia seja um fenómeno cada vez mais socialmente estigmatizado

ou então relegado para a esfera privada, onde teima em perdurar em determinados momentos de intimidade

ajudando ainda muito no estabelecimento de contactos entre enjeitados da sociedade livre e purificada

e na superação de momentos psicologicamente extenuantes.

Ora a fábrica de sonhos que o cinema é tem glamourizado o fumo de forma consciente e perniciosa.

Todos sabemos que os espectadores acéfalos sempre saíram a correr das salas mimando o que acabavam de ver no écrã, fosse o John Wayne aos tiros, a Garbo a prostituir-se ou a Marlene a fumar.

Felizmente que há evolução e quem cuide de nós. Vai daí, houve quem decidisse que havia gestos que era melhor ocultar dos espectadores. Ficarão circunscritos a inserts removíveis em qualquer altura ou obedecerão a regras muito estritas como a de não mostrarem no mesmo plano a cara do actor e o gesto delinquente.

Mas para que todo o cinema possa continuar a ter um papel social, doravante exclusivamente positivo, decidiram ocultá-los, ou alterá-los ligeiramente, também nos filmes antigos, através de modernos processos digitais. Numa nova versão que vai estrear este ano, esta senhora, por exemplo, em lugar de estar a fazer o que parece, está mascarada de árvore de Natal.

Monday 8 January 2007

Мать и сын



фильм Александра Сокурова

Friday 5 January 2007

Cannes Vs. Veneza


Quis o acaso da distribuição da cidade onde vivo que visse no mesmo fim de semana os filmes que obtiveram os prémios de realização nos últimos festivais de Cannes e de Veneza, respectivamente Babel de Alejandro González Iñárritu e Coeurs de Alain Resnais. À parte esse acaso, e a coincidência dos prémios de realização, não encontro muito mais que possa aproximar esses filmes. Isso apesar da estrutura de mosaico ou coral de ambos, com histórias múltiplas, desenvolvendo-se paralelamente, que se entrecruzam e cuja relação vai sendo cada vez mais aparente. O tom de Babel é grave e o programa dos seus autores (González e o escritor Guillermo Arriaga) visa alto, muito alto mesmo: nada menos do que o estado da civilização, num mundo globalizado, desumanizado, sem lugar para o indivíduo nem para a diferença, onde a facilidade da comunicação global parece ter inviabilizado o contacto directo, as relações pessoais, a compreenção entre os indivíduos, em suma. Ou como uma arma oferecida por um caçador japonês a um guia marroquino vai provocar a expulsão de uma imigrante mexicana clandestina nos EUA. O problema do filme é que parece feito para provar uma tese, ninguém parecendo acreditar na inverosímil trama nem preocupar-se muito em dar três dimensões às personagens, ocupados que estão em sublinhar o óbvio, em inchar a "mensagem", em facilitar a compreensão de uma estrutura aparentemente complexa mas, no fundo, só artificialmente complicada. O surpreendente é que Babel tem sido apresentado como inovador, quando já é a terceira colaboração entre realizador e argumentista (que antes assinaram Amores perros e 21 Grams), mantendo a mesma estrutura multifacetada que nos filmes anteriores, o mesmo pendor para a auto-importância e para o sublinhado, embora no caso em apreço a almejada dimensão sinfónica lhe tenha sido fatal. Sempre houve filmes como este, filmes com mensagem, bons sentimentos e "de qualidade", a que um certo público ilustrado adere porque julga embarcar numa aventura intelectual e artística, quando afinal embarcou num paquete de luxo para um cruzeiro em águas paradas. Costumavam ter óscares e ser assinados por Fred Zinnemann e Costa-Gavras.

Já filmes como Coeurs são mais raros. Baseado numa peça de teatro inglesa (Private Fears in Public Places de Alan Ayckbourn) adaptada ao XIIIe arrondissement de Paris actual, onde as arquitecturas de vidro e metal são ilusões de transparência, o filme é assinado por um senhor de cabelos brancos como a neve que cai sem parar, por todo o lado, por vezes mesmo na cozinha de um apartamento, um dos mais velhos realizadores em actividade (84 anos), Alain Resnais. De quem são esses corações que batem nesse Inverno? De Charlotte, solteirona beata. De Thierry, tão fané como ela, seu colega de escritório numa agência imobiliária. De Gaëlle, irmã jovem e bonita de Thierry. De Dan, militar no desemprego. De Nicole, sua mulher, que está pelos cabelos. De Lionel, barman de noite num hotel moderno. E de Arthur, o moribundo. Um pouco disto e daquilo, irmãos, irmãs, velhos, jovens, homens e mulheres, que se compõem e decompõem, ou se extenuam nas redundâncias da conjugalidade. Mais au bout du compte, on se rend compte qu'on est toujours tout seul au monde. Refrão implícito do filme, mas seguramente não a sua moral. Há, de facto, nesta obra aparentemente fúnebre, uma estranha alegria, um curioso optimismo, um apelo à fraternidade. E uma das suas não pequenas qualidades é que Resnais ama estas pequenas personagens, cómicas mas nunca grotescas, comoventes sem serem embaraçantes. E ama-as como um cineasta, ou seja, com um grande afecto pelos actores. Os antigos, seus filhos (Sabine Azéma, André Dussolier, Pierre Arditi), fiéis e perfeitos. Mas também o sobrinho (Lambert Wilson), cada vez mais da família ao longo dos filmes. E as novas pequenas (Laura Morante, Isabelle Carré), mais do que bem-vindas ao círculo. Na sua aparente ligeireza, total ausência de pretensão e inexcedível mestria formal, Coeurs é um divertissement que diz mais acerca do estado da civilização contemporânea, desta torre de Babel que ajudámos a construir e em que vivemos, do que muitos babéis juntos.

Wednesday 3 January 2007

Ano novo, vida nova (o brinde)

Ano novo, vida nova

Quanto ao ano velho, ainda é muito cedo para os divertidos jogos das listas e dos balanços, mas, assim a quente, ainda mal refeitos das ressacas dos réveillons e dos sonhos, digam-me lá se se lembram de algo mais prazenteiro do que estas cores...

... do que esta declaração de amor filial por um cinéfilo totalmente invertebrado, do que este terno, comovente e divertido reencontro de um cineasta com uma actriz (Carmen Maura), do que este milagre de alcandorar uma Penélope Cruz aos píncaros da Magnani e da Loren!