Tuesday 20 February 2007

Infernal Affairs Vs. The Departed - I

Os remakes de outros filmes fazem parte integrante da história do cinema, tal como as adaptações literárias, as sequels ou os serials; não são, portanto, uma pecha moderna como muitas opiniões catastrofistas pretendem fazer crer. Com maior ou menor sucesso, eles sempre existiram, no cinema americano, no cinema europeu e, frequentemente, atravessando o Atlântico em ambos os sentidos. Dois exemplos apenas (ou deveria dizer quatro?) para arrumar de vez a introdução: a obra-prima de Renoir La chienne, de 1931, foi refeita por Fritz Lang em 1945, na América, dando outra obra-prima, Scarlet Street, e, em sentido inverso, o filme de James Toback Fingers (1978, com Harvey Keitel) esteve na origem do recente sucesso francês De battre mon coeur s’est arreté (Jacques Audiard, 2005).

Vem isto a propósito do filme com que “finalmente” Martin Scorsese ganhará o óscar no próximo domingo, The Departed. A já longa carreira de Scorsese conta com um punhado de obras-primas, alguns excelentes filmes e uns tantos falhanços interessantes. Não deixa de ser irónico (e que diz muito sobre o interesse desta proliferação de prémios) que um dos maiores realizadores americanos venha a ser “coroado” por uma das suas obras menores. The Departed pretende ser uma homenagem de Scorsese ao policial de Hong Kong, que, por sua vez, tanto se tem inspirado nos filmes de gangsters do realizador americano. Trata-se de um remake de um êxito de Andrew Law e Alan Mak de 2002, Infernal Affairs, que deu inclusive origem a duas sequels.

(Spoilers a partir de agora; se ainda não os viu e não quer conhecer antecipadamente a trama dos filmes, deve parar aqui a leitura desta série de 4 posts.)

Infernal Affairs e The Departed têm praticamente a mesma intriga de base, muitos pormenores semelhantes e, mesmo, algumas cenas praticamente idênticas. Um gangster (Eric Tsang no primeiro, Jack Nicholson no segundo) cultiva uma "toupeira" na polícia desde que o rapaz frequenta a escola primária (Andy Lau/Matt Damon). A sua missão é manter uma "folha de serviços" limpa desde a escola até à sua carreira na polícia, para que possa chegar a posições de confiança e, assim, passar informações importantes ao senhor do crime. Basicamente, ele é o polícia competente e acima de qualquer suspeita, perfeito em todos os aspectos excepto o pormenor de transmitir informações sobre factos essenciais que protegem um gangster.

Paralelamente à carreira do polícia informador, assistimos à criação e evolução de um mafioso informador. O comandante (Anthony Wong/Alec Baldwyn) da unidade da polícia de elite recruta um jovem excepcionalmente brilhante, originário de uma família com passado no mundo do crime (Tony Leung/Leonardo Di Caprio), que tem como missão penetrar clandestinamente numa organização criminosa, de tal forma que a sua identidade será sempre ocultada, mesmo aos outros polícias. Ao longo dos anos, consegue penetrar fundo na máfia, ao ponto se tornar no homem de confiança do chefe da organização.

A intriga atinge o rubro quando ambas as organizações se dão conta simultaneamente de que abrigam um “infiltrado”. A ironia suprema é que a tarefa de identificar o infiltrado na polícia vai parar às mãos do homem de maior confiança na unidade policial, que acontece ser o próprio infiltrado. Entretanto, o infiltrado na máfia é também um daqueles que está praticamente acima de suspeita, mas vive num universo paranóico em que julga que pode ser descoberto a qualquer momento. A tensão sobe à medida que cada “toupeira” luta para evitar ser exposto, continuando simultaneamente a fornecer informações ao respectivo verdadeiro patrão.

Os mais interessantes e valiosos elementos de comparação são as alterações que Scorsese e o seu argumentista (William Monahan) fizeram à versão original, muitas das quais reflectem o que o espectador americano pode ou não aceitar num filme, e que na sua maioria são redutores de um screenplay invulgarmente complexo e interessante (da autoria de Alan Mak e Felix Chong).
(to be continued...)

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