Os remakes de outros filmes fazem parte integrante da história do cinema, tal como as adaptações literárias, as sequels ou os serials; não são, portanto, uma pecha moderna como muitas opiniões catastrofistas pretendem fazer crer. Com maior ou menor sucesso, eles sempre existiram, no cinema americano, no cinema europeu e, frequentemente, atravessando o Atlântico em ambos os sentidos. Dois exemplos apenas (ou deveria dizer quatro?) para arrumar de vez a introdução: a obra-prima de Renoir La chienne, de 1931, foi refeita por Fritz Lang em 1945, na América, dando outra obra-prima, Scarlet Street, e, em sentido inverso, o filme de James Toback Fingers (1978, com Harvey Keitel) esteve na origem do recente sucesso francês De battre mon coeur s’est arreté (Jacques Audiard, 2005).
Vem isto a propósito do filme com que “finalmente” Martin Scorsese ganhará o óscar no próximo domingo, The Departed. A já longa carreira de Scorsese conta com um punhado de obras-primas, alguns excelentes filmes e uns tantos falhanços interessantes. Não deixa de ser irónico (e que diz muito sobre o interesse desta proliferação de prémios) que um dos maiores realizadores americanos venha a ser “coroado” por uma das suas obras menores. The Departed pretende ser uma homenagem de Scorsese ao policial de Hong Kong, que, por sua vez, tanto se tem inspirado nos filmes de gangsters do realizador americano. Trata-se de um remake de um êxito de Andrew Law e Alan Mak de 2002, Infernal Affairs, que deu inclusive origem a duas sequels. (Spoilers a partir de agora; se ainda não os viu e não quer conhecer antecipadamente a trama dos filmes, deve parar aqui a leitura desta série de 4 posts.)
Paralelamente à carreira do polícia informador, assistimos à criação e evolução de um mafioso informador. O comandante (Anthony Wong/Alec Baldwyn) da unidade da polícia de elite recruta um jovem excepcionalmente brilhante, originário de uma família com passado no mundo do crime (Tony Leung/Leonardo Di Caprio), que tem como missão penetrar clandestinamente numa organização criminosa, de tal forma que a sua identidade será sempre ocultada, mesmo aos outros polícias. Ao longo dos anos, consegue penetrar fundo na máfia, ao ponto se tornar no homem de confiança do chefe da organização.
Os mais interessantes e valiosos elementos de comparação são as alterações que Scorsese e o seu argumentista (William Monahan) fizeram à versão original, muitas das quais reflectem o que o espectador americano pode ou não aceitar num filme, e que na sua maioria são redutores de um screenplay invulgarmente complexo e interessante (da autoria de Alan Mak e Felix Chong).
(to be continued...)


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