Tuesday 20 February 2007

Infernal Affairs Vs. The Departed - II

Em Infernal Affairs, o filme de Hong Kong do qual The Departed é um remake, o “mau” (o infiltrado da máfia na polícia) sai vencedor no final. Consegue matar todos os que sabem da sua existência, incluindo o próprio gangster. Existe, porém, uma importante subtileza psicológica nesta vitória. O seu triunfo não representa realmente uma vitória do mal sobre o bem, porque ele não tem escolha no futuro a não ser tornar-se o polícia “bom” que pretende ser. Sabemos isto por coisas que diz e faz, mas também porque é uma simples evidência. Já não há ninguém a quem informar, apesar de a namorada saber que ele tem vivido uma vida dupla. Com efeito, ele organizou as coisas com esse objectivo em mente, e matou o chefe mafioso só para pôr termo ao embuste. Sim, o “mau” obteve uma vitória absoluta, mas, ironicamente, é forçado a tornar-se “bom” para sempre.
Considero esta conclusão o melhor elemento do argumento de Infernal Affairs, mas Scorsese abandonou-o, presumivelmente porque os espectadores americanos teriam dificuldade em digerir uma ideia tão complexa. The Departed substituiu a ironia do “mau que ganha mas que forçosamente terá de tornar-se bom” pela simplicidade do “mau que é castigado no fim”.
Uma vez que o argumento é um puzzle extremamente complexo, essa alteração obrigou o screenwriter americano a proceder a várias outras alterações e juntar alguns elementos a outros de uma trama já labiríntica. Antes de tudo, exigia uma nova personagem. Em Infernal Affairs, o comandante da polícia da unidade especial à paisana era a única pessoa que conhecia a identidade do seu homem infiltrado na máfia, e o “mau”, tendo ficado responsável por essa unidade após a morte do comandante, apagou o ficheiro do polícia “bom”. Com a morte do comandante, o polícia infiltrado morto no final, e o seu ficheiro apagado, nada nem ninguém restava que pudesse impedir o completo triunfo do “mau”. A alteração de Scorsese requeria, portanto, outro polícia incorrupto que conhecesse e confiasse no agente infiltrado, para que o “mau” pudesse ter a merecida paga. Assim surgiu em The Departed o papel de Mark Wahlberg.
Era necessária outra alteração. No filme chinês, o polícia “mau” acaba por matar o próprio chefe mafioso, simplesmente porque decidiu tornar-se o que sempre tinha pretendido ser. Dado que Scorsese alterou o final, tinha de mudar um de outros dois elementos: a) ou o polícia “mau” matava o mafioso por outra razão, b) ou então não o matava. Julgo que esta última não parecia uma verdadeira opção, portanto era necessário criar uma razão para a traição. O que é que poderia ser? Bem, acaba por verificar-se que o próprio chefe mafioso é uma espécie de “toupeira”: Nicholson fornece informações ao FBI sobre várias questões importantes para a segurança do Estado. Quando o polícia “mau” descobre isto, receia que o mafioso esteja disposto a vender o que quer que seja para salvar a pele, mesmo a identidade do seu homem no departamento da polícia estadual de Massachusets. Dentro do contexto, faz algum sentido, é certo, mas acrescenta um novo elemento desnecessário a uma história que já era suficientemente complicada sem a entrada em cena do FBI, e sem a possibilidade de que mesmo o gansgster louco e assassino esteja a ser protegido por outra estrutura policial. Por outras palavras, o argumento de The Departed substituiu toda a complexidade psicológica do filme original por uma trama mais complicada, e tudo isso para eliminar um elemento que me parece ser a melhor parte do argumento original!
A única explicação é que estas alterações foram feitas porque Scorsese e o seu argumentista sentiram que os espectadores americanos não iriam aceitar o facto de o “mau” conseguir uma vitória total, nem o facto de que ele já não era “mau”, mas era sim o polícia “bom” que pretendera ser.
(to be continued...)

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